Mais de quatro da manhã. A pessoa que dá aula pruma gringa às seis devia estar quase acordando e não desistindo de dormir. Ao contrário do querido Belchior, não me sinto nem sã, nem forte e nem a outra coisa lá que ele diz que sente. É alguma coisa boa, então sei que não sinto. Ah, salvo. Ele se sente salvo. Rá. Também diferentemente dele, morro todo maldito ano. Tudo bem, nesse aqui um pouquinho mais do que nos outros.
Trabalhei uns quatro, cinco meses num projeto que deu em nada. Daí que eu faço aqui meu luto, certo? Certo. Não é todo mundo que segura o tranco, digo a mim mesma. Saturno come uvas e se consola com o que tem à mão, ou seja: nada mesmo.
Ninguém entra num projeto pra encontrar o grande amor. Especialmente comigo. Ninguém quer ser meu grande amor. Ou entrar num projeto comigo, té onde posso ver.
Quando se perde um projeto, há que se olhar pros outros e dizer: e agora? Mas os outros projetos, tristes porque foram abandonados por uma idiota-sem-coração, fazem jogo duro. Nem olham na minha cara. Certos eles. É bem-feito pra mim.
Em minha defesa: eu não tava conseguindo escrever. Estraguei um livro lindo. Daí entrei nesse projeto requentando uns textos, criando outros e pensando: tudo bem, vai rolar.
Nada. Não vai, não.
Então tá assim: estraguei um livro lindo, o único projeto onde eu tava rendendo não existe mais e os outros projetos se recusam a olhar na minha cara.
Nunca mais eu vou dormir.