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Netos, distância, cacau, livros, vento, maionese, musiquinha, braço, literatura, ideia, comentário e café

Vento. Não ventania, mas vento. Pode ser que tenhamos chuva. Meu amor agarradinho segue firme na floreira 1, nem tão firme na floreira 2. 

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Eu me mudei para essa casa em 2008 e que verão infernal foi aquele. Mas esse aqui está pior. Ou estou mais velha e frágil, pode ser. Não me lembro de sentir tanto calor, de sentir tanto cansaço. Reclamei com C., que me consolou dizendo que o Brasil não ajuda. E não, não ajuda.

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Na teoria, afastar-me de W. é o certo: distância, distância. Na prática, não sei, não. Dói que é um desespero e não me parece estar melhorando a situação geral. Não paro de doer, pensar nele, choramingar e odiar todo mundo. Talvez o que precisássemos fosse exatamente o contrário: uma semana em Penedo para descobrirmos, inventariarmos e registrarmos todos os defeitos um do outro: as falhas de caráter, os desvios de rota, as manias, as chatices, os gestos esquisitos. Mas, Deus, quem iria querer passar uma semana comigo onde quer que fosse? Ninguém. 

Não tenho mais idade para passar por uma coisa dessas, em verdade vos digo. 

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Como não tive filhos, não terei netos. Pelo que posso ver nos poucos amigos que já são avós (não é que poucos dentre meus amigos sejam avós, os amigos é que são poucos), os netos substituem com grandes vantagens um derradeiro amor. Eu devia mesmo ter desovado uma ou duas criancinhas enquanto um homem me amou, enquanto tive uma vida que permitia. Agora seria só questão de tempo esperar que eles se reproduzissem e me dessem, de presente, uma maquininha de abraços.

Apesar das graças e da voz tatibitate, gatos não tapam buracos, nem jardinagem. Nem literatura, por falar nisso. Um neto, talvez, pudesse me salvar dessa situação patética.

Calor incontrolável, governo ridículo, dor no coração: que verão estúpido.

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Respeito loucamente quem fica discussão de que chocolate é mais puro, que não-sei-que-marca-tem-não-sei-quantos-por-cento-de-cacau, que os belgas isso, que blablablá, que o chocolate da padaria é gordura hidrogenada, açúcar e veneno. Respeito, esse pessoal sabe muito mais do que eu. Bom, não que saber mais do que eu sobre qualquer assunto signifique alguma coisa, sou duma burrice comovente em todas as áreas. Mas, enfim, eles sabem

Isso posto, a coisa é que desejo comer uma enorme barra de Prestígio bem devagar. Cada pedacinho se dissolvendo em minha boca. Só isso mesmo.

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Gente que acorda e precisa ficar em silêncio, tomando café preto e pensando na finitude humana e sei lá eu. Respeito, porque não me resta outra coisa, mas puta que pariu que gente mala. Vão morar numa caverna, seus porras chatos.

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Como me aprimorar, eis a questão. Livros me ensinariam a escrever melhor sobre arte? Queria ser capaz de olhar para um quadro e chegar a incríveis conclusões, fazer análises espetaculares, comover e encantar. Dos muitos talentos que não tenho, esse dói mais: sou incapaz de colocar no papel o que sinto e penso quando olho para uma obra de arte.

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Faz semanas que desejo um hambúrguer. Mas não essas tralhas de por aí, um hambúrguer de verdade. Comprei carne moída, um pão artesanal, bati a maionese mais gostosa do mundo e fiz um hambúrguer de filme para mim. Não canto a solidão em verso e prosa, acho esse lance de “eu sou minha melhor companhia” grossa picaretagem e tal, mas fiz só para mim um hambúrguer lindo e delicioso, cheio de cebola e azeitonas e com um molho incrível, pão bacana e picles e queijo divinal e achei tudo gostoso.

Chorei no chuveiro frio depois, mas isso eu faço todas as noites, então não conta. 

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Se eu escrevo pensando se você vai ler? Evidente. A cada palavra, gracinha, foto, musiquinha, uma senhora idosa e ridícula se pergunta: ele vai ler? Vai gostar? Vai me escrever pra dizer alguma coisa, vai lembrar de historinhas, vai me jogar uma migalha de atenção, me dar três minutos numa ligação clandestina e vã durante a qual provavelmente vai me perguntar sobre alguma garota “e Fulana, você sabe dela?”, ou fazer algum outro comentário idiota e quase bater o telefone na minha cara quando o tempo acabar. 

Escrevo pensando se você vai ler e, ao mesmo tempo, sinto enorme alívio em saber que não vai. Se lesse, não entenderia, mas não vai, não.

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Bordertown. Não resolvi ainda se gosto. A ideia é boa, mas é tudo meio arrastado e confuso. E meio chato e meio mala e meio tonto e meio mal-amarrado. 

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Meu braço esquerdo mandou lembranças aos familiares e me disse que foram quarenta e sete anos razoáveis, mas que tudo entre nós acabou. Deu dois suspiros e depois, morreu.

Foi bom enquanto durou, braço esquerdo.

Janeiro de 2019

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