por Tatiana Yazbeck
Foi em um domingo à tarde, um domingo gripado, frio e enjoado, que recebi um honroso, porém difícil convite. Escrever sobre Fernando Sabino. Sabino e sua mineirice, Sabino e seus livros e contos. Sabino, o menino no espelho.
Imediatamente lembranças surgiram. Foi como um brainstorming involuntário. Eu, ainda adolescente, me deparei com O menino no espelho, na estante de casa, e comecei a ler.
Eu devia ter uns onze anos. Lembro que me senti tão adulta, por ler um livro com poucas gravuras – ou nenhuma, não lembro ao certo – e entender exatamente o que o autor queria dizer! Mais do isso, eu conseguia me emocionar! Houve uma identificação imediata com aquelas histórias.
Eu era criança de brincar no quintal, de viver com os joelhos ralados, de comer galinha ao molho pardo feito pela minha avó, com a galinha morta pelas mãos da mesma (com o perdão dos protetores de animais!). Um pouco da minha infância estava naquele livro e eu fiquei meio pasma com aquilo!
Lembro também que, em seguida, li O encontro marcado. Ou teria sido o contrário? Sei dizer, com certeza, que os dois exemplares ficaram com vários grifos a lápis, destacando as frases que me marcaram.
Infelizmente, em umas das mudanças, os livros de Fernando Sabino se perderam, juntos com os de Drummond. Mas bastou um pedido para escrever sobre ele, que toda a memória afetiva aflorou.
Quase que no mesmo momento, em que todas as lembranças vinham à tona, recordei-me de que Sabino havia sido um dos grandes incentivadores de meu tio, o jornalista Ivanir Yazbeck, no início de sua carreira, como escritor de livros infanto-juvenis.
Num pulo, toquei o telefone pro meu tio, que imediatamente se dispôs a falar e assim o fez, com carinho, empolgação e saudade, de suas lembranças com o mineiro Fernando.
Meu tio costumava encontrar Sabino em reuniões de amigos em comum. Conversavam amenidades, Sabino sempre simpático, feliz por conversar com um conterrâneo. Apesar de meu tio ser de Juiz de Fora e Sabino ter nascido em Belo Horizonte, cidades que possuem uma rixa histórica – Juiz de Fora é mais próxima do Rio e os belo-horizontinos costumam nos
chamar de mineiros da gema ou cariocas do brejo – mineiros, quando fora do estado, acabam sempre se aproximando, como se assim ficassem mais perto de casa.
Ambos também trabalharam no extinto Jornal do Brasil e Ivanir teve a oportunidade de diagramar crônicas que Sabino escrevia para o Caderno B do jornal.
Em um desses encontros, já com o primeiro livro lançado O enigma do pássaro de pedra, Ivanir se encheu de coragem e contou a Sabino que estava escrevendo um novo livro. Dessa vez um suspense. Sabino perguntou o nome e diante da resposta, pediu que Ivanir contasse em linhas gerais a história de A noite em que Jane Russel morreu.
e
“Com uma gentileza da qual jamais me esquecerei, ele ouviu meu relato, expressando aprovação, e me orientou a enviar o original à editora Record. Ele se encarregaria de recomendar à pessoa responsável pelo recebimento que o lesse com atenção.” Além disso, ao saber que Ivanir estava usando o nome Ivan para assinar seus livros, aprovou a escolha, segundo ele, pela sonoridade.
Ivanir seguiu as instruções do mestre e, uma semana depois, recebeu cópias de um contrato de publicação a ser preenchido e devolvido o mais rápido possível. Quatro meses depois, A noite em que Jane Russell morreu, era lançado, com as bênçãos de Fernando Sabino.
Fernando Sabino morreu em outubro de 2004, deixando um legado enorme para os que viveram no seu tempo e para os que ainda virão. Não se vive completamente sem ler uma de suas obras.
Não se pode viver sem saber de Sabino.
Tatiana Yazbeck é psicóloga e jornalista. Gosta de falar e escrever. E, apesar dos pesares, continua gostando muito de gente!