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Jó, um estudo de caso

Jó e sua familia – William Blake

Havia um homem na terra, cujo nome era Jó.

Jó era rico, tinha sete filhos e três filhas, temente a Deus e queridinho do Senhor.

Em um dia específico, quando os filhos obedientes de Deus vieram apresentar-se perante o Senhor, Satanás achou por bem vir junto.

– De onde vens, criatura? – pergunta Deus.

– De rodear a terra e passear por ela! – responde Satanás, que era terrabolista.

– Viste Jó? Aquilo me ama!

– Mas também, rico! Até eu. Tira tudo que ele tem bota o cabra na fila do auxílio emergencial, os bacuri na escola pública e corta a conta da mulher dele com o turco mascate pra tu ver uma coisa! Não dou três dias e ele blasfema contra ti.

– Mas, nem!

– Bota na minha mão e te mostro!

– Vai lá. Arregaça. Mas deixa ele vivo!

– Formô!

No outro dia, estava Jó posto em sossego, os filhos tinham ido jantar na casa do primogênito, entra um mensageiro correndo:

– Os sabeus – um povo semita, lembra da rainha de Sabá? –  atacaram os rebanhos, tomaram os bois e os jumentos e mataram todos os servos! Só escapei eu!

Moleque não tinha nem terminado, entra outro esbaforido:

– Jó, do céu! Caíram do céu bolas de fogo e queimaram as ovelhas e os pastores tudo! Só eu escapei!

Outro entra correndo:

– Três bandos de caldeus tomaram o rebanho de camelos e matou todos os servos com espadas. Só eu escapei!

Mais um:

– Tuas filhas e filhos estavam comendo e bebendo vinho na casa de seu primogênito e um vento forte derrubou a casa sobre eles. Só eu escapei e trouxe a notícia.

Satanás, pelo visto, estava poupando só o mensageiro, doido pra ver o circo pegar fogo.

Jó se levantou, rasgou sua roupa, raspou sua cabeça e disse:

– Nu saí do ventre da minha mãe e nu voltarei para lá! – O pessoal não tinha educação sexual nas escolas e mesmo velho e barbudo Jó ainda não dominava as parada da reprodução.

Lançou-se ao chão e adorou:

– O Senhor deu, o Senhor o tomou, bendito seja o nome do Senhor!

– Feladapóta! – rosnou Satanás.

Deus rolava de rir da cara do Capeta:

– Te falei!

– Mas também, né?

– O quê?

– Tem saúde.

– Ah, mas vá paporr…

– Deixa na minha mão pra tu ver! Vai xingar até tua mãe!

– Já falei pra não botar a mãe no meio!

– Boto no meio da tu…

– PÁRA!! Quer testar Jó tirando a saúde dele? Vai, pode ir! Maizó: não mata!

– Xá comigo!

Então Satanás feriu a Jó com uma chaga maligna da planta do pé até o alto da cabeça.

A coceira era tanta que Jó se coçava com caco de telha.

A mulher de Jó, que não aguentava mais aquela presepada, dizia:

– Tu ainda tá de bem com Deus, Jó? Larga mão de ser tonto!

– Tu é doida, mulher? Eu não recebi de Deus o bem, por que não receberia o mal?

A mulher de Jó só olhava, imaginando onde estava com a cabeça quando se casou com tamanho paspalho.

Os amigos de longe, que todo ano vinham passar uma temporada, chegaram e quando viram a situação de Jó e a despensa e adega va-zi-os desataram a chorar.

Tudo tem limite. Jó não se conteve e amaldiçoou o dia em que nasceu.

Elifaz, um dos amigos, vendo aquela choradeira toda resolve interferir:

– Jó, se eu fosse tu, levava um lero com Deus. Você sempre foi um cara firmeza, tem crédito com o Altíssimo! Fala com ele!

– Crédito, Elifaz? Tu me vem falar em crédito? Sim, fiz tudo certinho a vida toda e pra que? Me diga! Pra quê? Pra acabar pobre, doente, fedido, cheio de chagas, os filhos mortos e a mulher me achando um bunda mole? Sim, Elifaz, é isso que eu sou: um tremendo bunda mole! Tá cheio de safado na terra de Uz que nunca gastou uma só ovelha em sacrifício, nunca se desviou do mal um milímetro sequer e continua rico e formoso! Pra mim basta! Quero que Deus se foda!

– Jó, pensa bem. Mesmo não tendo feito nenhum mal, não tendo nunca blasfemado contra Deus, ele te lascou neste nível, imagina tu sendo malcriado deste jeito?

Jó pensou um bocado, respirou fundo e, depois de uns dias resolveu se humilhar pra Deus:

– Sei que tudo podes e conheces até meu pensamento. Por isso, me abomino e me arrependo, no pó e na cinza, de toda minha blasfêmia.

Deus olhou com superioridade para Satanás, que lixava as unhas em profundo tédio e, da mesma forma gratuita, aleatória e injusta que havia tomado, devolveu toda a fortuna e saúde a Jó.

Os filhos de Jó que matara no joguinho de poder com o Diabo, Deus nem se incomodou em ressuscitar.

Satanás se retirou, preocupado. Para o futuro, teria que rever suas estratégias. Aprendera neste episódio que perda de vidas humanas, sofrimento, dor e aflição não incomodam Deus, em nada. Se quisesse atingi-lo, teria que alcançar algo que, para o Divino tinha um valor maior, absoluto: a vaidade da obediência e adoração perpétua gerada, não por respeito, mas pelo frio e cruel domínio do medo.

2 comentários em “Jó, um estudo de caso”

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