por Sandra Spíndola
Sou muitas. A que mais gosto de ser é Adélia.
Andar “feito cavalo velho, procurando grota”; enlanguescer quando Jonathan se aproxima; abrir e fechar janelas, oscilando entre doida e santa e ver todos os moços, sempre, sempre, “entre moitas de murici”.
Quando sou Adélia o mundo me surpreende mais. Penso coisas fora do meu comum. Outro dia mesmo encontrei pessoas que gostam de andar de montanha russa. Ai, é tão bom, elas diziam. É voo. Dá frio no estômago, o coração dispara e salta pra boca. A respiração perde o ritmo. É o susto, o corpo descontrolado…
E eu, “requintada e esquisita como uma dama” lembro da arvorinha da Adélia. Aquela que parece estar conversando pois a insetaria nela, em festa, “Tem zoado de todo jeito: tem do grosso, do fino, de aprendiz e de mestre.” E então penso: Amo e odeio. Preciso lá de montanha russa… É Adélia sentida por mim.
Se eu me aprimoro sendo Adélia, fico faminta. Sabe o prazer que pensa ser a mim interditado? Pois vou com garras, presas e volúpia. Saboreio. Essa moça lá de Minas me faz sair falando feito quem reza: “Ave, ávido. Ave, fome incansável e boca enorme, come.” Sou bicho voraz. Não conheço parcimônia. Quero tudo e no exagero. Tal qual ela, almejo mesmo todos os riscos “sem o perigo da morte” e uma única garantia: a de que “à noite estaremos juntos, a camisa no portal.”
Quando sou Adélia ainda sou outra: a Agradecida.
Se escrevesse um bilhete pra ela seria assim:
Obrigada, Adélia
Fiz aquela sua receita de cataplasma de amor macerado no pilão com “cinza e grão de roxo”. Deu certo. Compartilhei com todo mundo.
Olha. Queria te pedir uma coisa. Sabe quando você bate “o osso no prato pra chamar o cachorro”? Sou eu quem atende. Jogue os restos pra mim.
E guarde um segredo, por favor: aqui também tem uns moços que esgravatam “meu coração de cadela”.
Ando triste, Adélia. Lembro. Você afirmou: Jesus “Brasileiro não é.” Desconfio agora de algo mais sério: Ele também nos abandonou. Apelo pra Mãe e ao final de cada telejornal, contrita, rezo aquela jaculatória, quando em momento de muita precisão por amor desatinado, você me ensinou: Ó Virgem, volte à minha alma a alegria, também eu estendo a mão a esta esmola.”
Sem mais, espevito as palavras bem e desejo:
Seja sempre Maio pra você levantar “voo rua acima”.
E, Adélia, resisto à despedida e desejo mais ainda:
Que você encontre “um caminho de areia margeado de boninas, onde só cabem a bicicleta e seu dono.”
Que volte a morar numa casa “constantemente amanhecendo”;
Que Jonathan por fim cresça, e você não precise mudar para “alguém mais ladino.”
Desculpe as mal traçadas linhas.
Te amo
Sandra Spindola é retuitera aplicada. No deboche pode ser Sandroca mesmo.