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Chá da tarde

Alice no País das Maravilhas – filme de Tim Burton – 2010

Não havia, ​em minha infância, tantos livros quantos estão disponíveis para as crianças hoje em dia. As editoras publicavam edições adaptadas. Por isso minha geração leu uma porção de clássicos: A ilha do tesouro, Robinson Crusoé (era escrito assim mesmo), As viagens de Gulliver, A  história do mundo para crianças, Novelas extraordinárias e mais outros e outros conformados a diferentes idades.

Resumida e facilitada, Alice entrou na minha vida e nunca mais saiu.
Relutei um pouco a assistir a versão do Tim Burton, mas acabei capitulando.

A angulação desse diretor, mesmo mantendo passagens da narrativa de Lewis Carrol, mostrou  o olhar, experiências descobertas comuns à adolescência.

Não só ele faz a mocinha fugir do compromisso firmado pelos pais, como mostra a ruptura com as normas familiares de comportamento, o estabelecimento de um código próprio e a transposição de um punhado de dificuldades severas, emprestando a Alice um caráter heroico. Ela salva o reino e se liberta nesse processo.

Os  jovens mitológicos sempre têm tarefas assombrosas para cumprir, com o agravante de não conhecerem a si mesmos ou aos entraves do caminho, as armas e recursos com que podem contar. Foi assim com Perseu, Teseu, Cinderela, Héracles, Thor, Harry, Branca de Neve, Arthur.

Os perigos enfrentados pelos adolescentes têm função e gravidade de rituais de passagem. Só se tornam adultos aqueles que cortam a cabeça do monstro, que mudam o curso do rio, que com as mãos nuas cavam um túnel na montanha, sobrevivem aos perigos da floresta encantada, vencem madrastas e dragões, arrancam a espada da pedra, enfrentam o vilarejo.

Alice tem lá  suas tarefas, desincumbe-se delas aos trancos e barrancos, na maior parte do tempo não compreende o que está acontecendo e tudo se passa num ambiente estranho, com cores de mistério e ritmo de sonho.

A caracterização das personagens no filme me faz lembrar das figuras que minha imaginação infantil criava  ao ler o livro, o que deve atestar a generalidade delas.

Visitei Alice, mais uma vez, e ela me recebeu para um chá.         

Então inté, jacaré!

Marli Tolosa, psicóloga e pesquisadora

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