Uma casa em Paris, uma declaração fundamental, o armário do banheiro alheio, Matisse, suco de maracujá
Vou escrever, de agora em diante e, para sempre, como se você me lesse. Antes, como se me enxergasse. Antes, ainda, como se você se importasse. Eu me dei conta de que não escrevia aqui porque aqui você não vem e escrevia lá porque lá você vai. Raramente, mas vai, e eu, tola, tola, queria que você me visse. Espero um dia, parar de falar a seu respeito. Por enquanto, não posso. É como se, ao parar de falar de você, eu deixasse de ser quem sou. Vou escrever aqui, e não lá, como se, para além do Claudio e a Nepomuceno, você viesse aqui. Vou manter isso aqui como se fizesse sentido escrever. Para você.
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Dos meus muitos voyeurismos, espiar a casa dos outros é das cousas que mais amo. A casa alheia e seus cantinhos, toalhas, boxes, pias, armário, nichos e escadas. Onde ficam suas canecas bonitas? A cafeteira de D. mora na estante de livros na sala. A Bea serve a comida da gata na varanda. A Nepomuceno tem paredes coloridas. Meus livros de moda agora ficam na sala. Como cada um arruma seus pertences, como cada um espera o fim, seja ele a o envelhecimento sem dignidade, o apocalipse zumbi ou a morte do amor. Como arrumam seus armários da cozinha, como esperam que seus dentes caiam.
Quem são as pessoas, criaturas estranhas, e suas casas, espaços cheios de milagres e encantamento.
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O calor voltou, não tive nem dois meses de pausa. Roí todas as minhas unhas, cantei em voz alta, sorri para o espelho do banheiro e para as minhas minhas rugas (gosto delas) e para a minha papada (odeio ela) e vi coisas que jamais acontecerão e coisas que acontecem todos os dias.