Choveu a noite toda e eu pensei em você. O que, além de patético, é duma estupidez alucinante, posto que tenho mais trabalho acumulado do que Deus no quinto dia e não posso ficar idealizando seus defeitos como uma moçoila do século XIX. Mas pensei em você. Ouvi a chuva. Separei conflitos armados entre gatos de diferentes facções. Bebi água como um peixe. Pintei duas caixas e pendurei mais uns negocinhos bonitos no meu armário. Do portão, espiei a chuva varrendo a rua, sacudindo as árvores. Fumei cigarros de cravo. Bebi um café de quinta categoria. Resmunguei em voz alta. Trabalhei, trabalhei demais. Pensei em você.
O doce som da máquina de lavar pratos fazendo o meu serviço por mim. Gosto demais dela.
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Adoro o momento em que o Repispótis descobre de onde vem aquela cicatriz. A história das marcas que carregamos é sempre surpreendente e dolorosa.
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Época assim, de descongelar o freezer (pra, se deus quiser, desligar de vez), é quando lamento mais ser uma pessoa insuportável, sem amigos.
Eu gostaria de montar uma força-tarefa para acabar com essas delícias e seria, eu acho, divertido.
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Esse 2023, por brevíssimos momentos, achei que A Vida Que Eu Poderia Ter E Não Tive fosse voltar a ser meu amigo. Não que ele tenha anunciado isso, porque, claro, não anunciou. Mas contou uma tonelada de cousas e viveu outras e eu achei que… sei lá, que voltaríamos a ser o que fomos naqueles poucos meses em que ele estava entre um relacionamento equivocado e outro, há tanto, tanto tempo: amigos que se frequentavam (na verdade que me frenquentava, ele nunca me convidou pra ir na casa dele, como sói acontecer), que bebem juntos e conversam. Achei sozinha e, claro, não rolou. Como qualquer macho acima dos 50 (devo declarar que os de abaixo também), AVQEPTENT prefere qualquer espécie de relacionamento, qualquer coisa, a ficar só. Então os brevíssimos momentos foram realmente muito breves. Me livrei das garrafas no freezer (uma coisa a menos para fazer) e seguimos.
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Este balancete de começo de ano sobre AVQEPTENT me fez lembrar doutra coisa pra botar na minha lista de coisas a fazer em 2024: parar de esperançar a respeito de amigos. Este é um exercício quase sem sentido pruma dona de 53 que não tem muito tempo de planeta de sobra, mas seria bom. É patético num grau inexplicável uma senhora gorda e descabelada conferindo a qualquer imbecil o título de “meu melhor amigo”, como se a. eu tivesse 13 anos b. alguém desse a mínima.
Quando
[no celular:If you leave me now, Leonid & Friends e Arkady Shilkloper]
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trecho deTodo o tempo em que permaneci de joelhos esperando por você, de Olimpia Caballer (no prelo)
Vejo listas sinceras de resoluções para 2023 aqui e ali. Nunca fui capaz, é como controle de orçamento, não sei fazer – ou não tenho disciplina para fazer, o que dá no mesmo.
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Que em 2024 eu aprenda a dizer: eu não sei. Terei 53 em 2024, passou demais da hora.
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Que em 2024, sempre que eu pensar para que me dar ao trabalho?, eu realmente não me dê ao trabalho.
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Os querido Paulo continuam, ainda que aqui, ainda que só para você.
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Os Diarinhos continuam. Ninguém lê, mas eu leio (hahahaha, continuo pagando a anuidade do Instituto Vozes da Minha Cabeça)
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Colega de trabalho não é amigo. O tipo da coisa que, mesmo com quase zero chance de levar adiante, tenho de me esforçar, muito mesmo, pra incorporar no dia a dia.
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O mais importante pra mim: você. Eu vou voltar para você. No fim, no fim mesmo, somos só nós dois. Sempre fomos.
Cabe tudo em um caderninho, o que foi escrito e o que não foi, o que vivemos e o que se perdeu, o silêncio de cada passo, as trovoadas que nos cobriram, o barulho do metrô parando numa estação que,