Quando
Éramos da mesma turma, ele e eu. Andamos juntos muito tempo. Ele me disse eu te amo duas vezes. Era um eu te amo em que não se devia acreditar, mas eu não sabia disso, então, bom, acreditei. Nas duas vezes. Faltava alguma coisa naquele casamento patético dele com a assistente mística, então ele me ligava. Ele me ligava para cantar em meu aniversário. Ele me ligava para falar de filmes e livros, de coisas, reclamar do trabalho e para cavucar as mil doenças gravíssimas que carregava consigo, para contar da viagem da mãe para a Itália, para me contar que tinha ido ao aniversário do amigo. Ele falava muito dele mesmo e eu fazia hum-hum no telefone. Uma vez eu mostrei o Chico Buarque mais lindo do mundo para ele e ele meio que gritou uma barata! e bateu o telefone na minha cara. Mas eu deixei ele me ligar de novo. E de novo. Ele me ligava sem marcar hora, sem perguntar se podia, como se eu estivesse à disposição dele. Eu estava à disposição dele. Depois de se separar da Maria Xixi, ele continuou me ligando. Faltava alguma coisa nele, com ou sem a Maria Xixi. Ele me mandava fotos do apartamento que estava arrumando para viver sozinho. Talvez, só talvez, o que faltava nele fosse eu. De qualquer maneira, ele me ligava mais vezes. Falava ainda mais de si, o assunto mais importante do mundo. Antes de morrer, a minha irmã, rainha de todos os reinos do drama, me disse que ele me destruiria. Ele me destruiu.
[no celular: Extreme Ways, Moby]
trecho deTodo o tempo em que permaneci de joelhos esperando por você, de Olimpia Caballer [no prelo]