Traduzir é localizar.
Pela linguagem é possível situar um texto no tempo e no espaço.
Pela linguagem também exercemos poder.
Portanto não há tradução inocente. A forma como um texto é levado de um idioma para outro traz as marcas indeléveis dos fatores históricos, sociológicos e culturais a que foi submetido o tradutor em sua época.
A eleição de cada termo em detrimento dos demais e a construção escolhida o revela e o inclui, a cada linha.
Dos textos bíblicos não existe um único manuscrito original. Tudo o que temos são cópias feitas por escribas no decorrer dos séculos e as traduções decorrentes, sendo essas muitas vezes encomendadas por soberanos ávidos pela ferramenta literária tão poderosa.
Fé cristã pode não ser escolha. Mas os textos em que se funda a doutrina, certamente são.
Abaixo, um mesmo trecho bíblico em traduções diversas.
Escolhido por mim.
Cânticos dos Cânticos
Capítulo 7
1 – Vire-se, vire-se, Sulamita.
Vire-se, vire-se. Queremos contemplar você.
O que vocês olham na Sulamita
Quando ela baila entre dois coros?
Bíblia Sagrada – Edição Pastoral
Tradução: Ivo Storniolo e Euclides Martins Balancin
(Paulus, 1990)
Cânticos dos Cânticos
Capítulo 7
1 – Volta, volteia Sulamita
Volta, volteia e nós estaremos te contemplando
Na Sulamita, o que tanto contemplas?
É vê-la enquanto dança a dança-dos-campos-rivais
Éden – um tríptico bíblico.
Tradução: Haroldo de Campos
(Perspectiva, 2004)
Cânticos dos Cânticos
Capítulo 7
1 – Vira-te, vira-te, Sulamita!
Vira-te, vira-te para que possamos te ver!
O que queremos ver na Sulamita
Como se esta fosse a dança do Maanaim?
O Cântico dos Cânticos – Um ensaio de interpretação através de suas traduções
Tradução: Geraldo Holanda Cavalcanti
(Edusp, 2005)