Às vezes volto ao que D. um dia chamou de meu “vício em trabalhos ruins”. Agora que tenho as aulas, posso sustentar meu vício, ou melhor, permitir que o sustento que ele me dá seja um suplemento de renda, não a razão principal da manutenção da casa.
Mais ou menos como o que sinto por D.
O que sinto por D. é um alegria, não uma angústia, um pontinho brilhante que me ajuda a atravessar os dias. Jamais terei, jamais poderá ocupar o palco principal do meu circo, mas ok, o que sinto está num dos picadeiros laterais, ao lado do picadeiro de Madame Janice – presente, passado e futuro, do cara que encosta o calcanhar na orelha e no sujeito que faz aquele truque da ervilha e os copinhos. Ia falar sobre o circo de pulgas, mas D. é jovem demais para conhecer essa história.
Enfim, mandei material pro Paulo, recebi o material do Paulo, arrumei tudo num pacote palatável e enviei meu trabalho-vício, esperando ser paga algum dia ainda desta era geológica. Tomei um banho de estrela de cinema, se alguma estrela de cinema um dia tivesse um banheiro tão pobrinho quanto o meu. Coloquei um pijama limpo (D. sabe a verdade sobre mim, uso pijamas o tempo todo), e desci as escadas.
Estava com fome, estou sempre com fome.
Fiz uma cumbuca do mais perfeito, mais suculento, mais maravilhoso macarrão ao sugo de que se tem notícia. E abri uma garrafa de vinho. Sim, eram dez da manhã e nós não vamos falar sobre isso.
Comi minha cumbuca de macarrão. Bebi meu vinho.
Ah, e me permiti pensar em D. por aproximadamente doze segundos.
D. rira se me visse em meu jantar da vitória às dez da manhã. Mas, acho, comeria um pouco do meu macarrão e beberia meu vinho tinto gelado (no Brasil, vinho tinto se serve gelado e quem não concordar com isso que emigre para a Rússia e nos leve junto).
D. me disse para não abusar do vinho porque eu tinha aula para dar para a Marcella às quatro da tarde.
D. até lavou a louça porque, ei, a fantasia é minha, eu decido quem lava a louça.
Parei, enfim, de pensar em D., acabei meu macarrão, lavei minha própria louça e me deitei para ver um cadinho dum filme espanhol. Às três e meia subi, abri o documento da aula da Marcella e a da Diana, que viria depois. Dei as aulas das meninas, desliguei computador, fui pra cama dia ainda e dormi por doze horas.
Quando acordei de madrugadinha para ler os textos da aula do Antonho, que começava às sete da manhã, respondi os recados de D. sobre séries. Depois dei aula o dia todo e a vida seguiu seu trem-trem.
Não me lembro porque comecei a lhe contar toda essa história.
NÃO É POSSÍVEL, AMORE. É com precisão que você escreve minha dor, minha angústia, minhas madrugadas insones, minhas esperanças humilhantes, meu desejo envergonhado. Me acostumei. Mas que você saiba isso também: “O que sinto por D. é um alegria, não uma angústia, um pontinho brilhante que me ajuda a atravessar os dias” e que troque a inicial só pra me proteger (tenho certeza, obrigada pela gentileza) é um tantinho assustador. Que texto maravilhoso. Que bom poder te ler.
a gente não tem solução