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A maçã, o marmelo e os figos

Caravaggio, um homem que viveu no umbral entre duas eras, fez mais por esse mundo, por sua beleza e arte, do que você e eu jamais conseguiremos, ainda que vivamos dez vidas. E além de ter se banhado nos últimos dias de glória do renascimento, e além de ter ajudado a inventar o barroco, ainda teve tempo de brincar de adivinho. Um dos mais importantes quadros de sua primeira fase é esse aí, o La Canestra di Frutta. Se você observar a obra com cuidado, verá que as frutas são perfeitase estão perfeitamente reproduzidas, imperfeitas e imperfeitamente realistas. São as cores das frutas que nos indicam o estado de maturidade delas, seu nem-tão-avançado-assim apodrecimento, que ainda estão apropriadas para o consumo, que o tempo passou, está passando nesse minuto e isso é fundamental, porque foi para isso que o quadro foi feito. As cores nos avisam: se você não comer esses figos, vai perdê-los

Caravaggio meio zonzo de vinho, vida y otras cositas más, sabia que 2017 chegaria e passaria levando parte de nossas almas, e que precisaríamos de uma sábia palavra vinda do passado, já que nosso presente anda burro, mal-informado, adorando o inominável, péssimo de conselhos e ouvindo cada música que vou te contar. Foi por isso que ele fez esse quadro, essa cesta de frutas tão linda, mas já meio podrinha, tão, tão bela, mas né, meio pra lá de Bagdá – uma das poucas cidades, aliás, em que Caravaggio não arrumou briga, não socou a cara de ninguém e não acabou fichado. Provavelmente porque nunca esteve lá.

 Nosso ano está acabando e a vida, tal e qual a conhecemos, também. Não somos os mesmos caras que éramos em janeiro. Nossa vida não é a mesma de um minuto atrás e nem a nossa história, e não permanecem nossos desejos e interesses, o desejo e o interesse dos outros por nós.

O tempo, o tempo, o tempo. Ele destrói as frutas e não é nem um pouco mais brando com você, amigo. E se essa cesta de frutas equilibrada na beiradinha do parapeito parece prestes a desabar em cima de você, saiba, é porque ela está mesmo.

Esse tal de 2018 vai exigir que fiquemos firmes. Você me ouviu? Que fiquemos firmes. Ah, 2018 também vai exigir rapidez de raciocínio, que dividamos um mentolado na varanda do Paulão e da Ana, competência nos feitiços e conjurações de entidades nefastas (das que nos defendem, não das que quebram nossa espinha). Vai exigir, 2018, que você respire e coma os bolinhos da Telinha. Que você não julgue, não seja um mala. Ninguém pede que você seja um cara legal porque, baby, nós o conhecemos, mas tente não ser um babaca completo, agradecemos demais. O ano da graça de 2018 vai exigir algum chocolate de boa qualidade, cataratas do niágara de vinho (rosé), força no empuxo, costas largas, frases inteligentes e algo cínicas (mesmo que você se sinta morto por dentro) e, talvez, a adoção de alguma religião oriental gentil com a iniciação, razoável no capítulo das exigências, branda com as punições e generosa com as recompensas. Ele também vai exigir bons amigos e pode acreditar, isso é mais difícil de arrumar do que línguas de flamingo, pó de mandrágora e sopa de Islamia ateni. Esse ano que vem aí exige demais, demais, que cuidemos uns dos outros e não, isso não é palhaçada, é profecia: quem não tiver o olho do irmão sobre si em 2018 estará no sal. No que me cabe desse latifúndio estarei aqui, por favor, lembre-se disso. Com Marli, Otelo, nossos dois gatos, um bolo no forno, flores nos vasos, vodiquinha no freezer, e um aquele queijo contrabandeado pelo homem da mandioca (o nome dele é sr. José, gente, olha o respeito) regado de azeite.

Corra. Ignore os buraquinhos de larvas e coma a maçã e o marmelo e os figos, detenha o avanço do tempo com seu desejo, dentes e barriga, com fúria, com pressa, com sofreguidão, com avidez. E quando o inexorável 2018 emparelhar com você, pense em Caravaggio e seja um pouco mau. Só um pouquinho. E continue faminto, furioso, esperto, ousado. Eduque-se, treine, mantenha-se afiado e atento por você e por quem você ama. Esse ano que vem aí, você sabe, o tal de 2018, não deve mesmo apanhá-lo sem uma boa faca de mola na bota. Eu tenho uma (sério mesmo) e nenhuma briga de rua vai me apanhar sem ela. Se você ainda não tem a sua, fique perto de mim.

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